Literatura de Verdade

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Chantagistas não atiram

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Ela vestia um terno vermelho e entrou na minha sala sem pedir licença. Parecia acostumada a mandar. Era um dia seco em Brasília e a falta de umidade segurou as palavras na minha garganta por segundos o bastante para que, antes de trocarmos qualquer cumprimento, entrasse atrás dela um homem baixo, meio careca, com aspecto canino. Um secretário, pensei, sem conseguir tirar os olhos daquela figura intrigante.

Eu já tinha visto aquela senhora. Na tevê, talvez. Cabelo curto, pulando, quase como um animal tentando escapar de sua cabeça. Ela estava irritada, mas isso parecia mais parte dela do que resultado de um descontrole momentâneo. Ofereci um conhaque. Ela não bebia. Ofereci um cigarro. Ela não fumava. O que aquela mulher fazia para se divertir? “Seriados”, respondeu aos meus pensamentos e, sem qualquer alteração na expressão facial, finalmente explicou o que fazia ali.

Ela queria saber como lidar com chantagistas “no que se refere a base aliada” e eu, que estava mais liso que o piso do Palácio do Planalto e precisava de uns trocados, disse uma frase capaz de acalmá-la instantaneamente, mas que pode decretar o fim de seu governo um dia: “chantagistas não atiram, dona”. A mensagem era clara até para um deputado em mandato de estreia e fez a mulher esboçar algo que, com alguma boa vontade, você poderia chamar de sorriso. Mas ela continuava irritada e, para deixar a coisa bem clara, achei melhor desenhar: “se eles ameaçam, é porque não querem ou não podem agir”.

“Aceita cartão ou você também só recebe em cargo? Só sobrou de segundo escalão”. Ela era direta. E não tinha qualquer paciência. A chantagem em questão não tinha preço alto, nada que fosse incomodá-la, mas parece que ela gostava de fazer as coisas do modo mais difícil. Não tirou muito do meu tempo, mas teria de preencher um cheque. E um contrato de sigilo. Pela consultoria, se é que você me entende.

Written by Rodolfo Borges

Julho 24, 2011 às 11:52 pm

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